Na história do Universo
nunca houve – nem haverá – traição maior. A criatura que representava a mais
magnífica obra de seu Criador ressentiu-se de que sua glória era apenas
emprestada, de que o papel que lhe estava destinado era o de tão somente
refletir a infinita majestade do Deus que lhe deu o fôlego da vida. Dessa
maneira, nasceu no coração de Lúcifer o desprezível impulso da rebelião. Esse
impulso originou a insurreição dos anjos que foi o mais terrível motim na
história em todos os tempos.
Uma questão preliminar
Por mais importante e original que
tenha sido essa rebelião dos anjos, as Escrituras não incluem um registro
específico do evento. No Antigo Testamento, Satanás aparece pela primeira vez
no relato da queda de Adão (Gn 3). Ali, no entanto, ele já era o tentador caído
que seduziu os primeiros seres humanos ao pecado. Dessa forma, já no início das
Escrituras, a queda de Satanás é tratada como fato. Mas, por razões que não são
esclarecidas em nenhum lugar, o próprio relato de sua queda está ausente nesse
registro.
Ainda assim, o evento é lembrado duas
vezes nos escritos dos profetas: por Isaías, em meio a uma inspirada diatribe
contra a Babilônia (Is 14.11-23), e, mais tarde, por Ezequiel, quando ele
repreende duramente o rei de Tiro (Ez 28.11-19). Essas duas passagens
contam-nos a maior parte do que sabemos sobre a queda de Satanás.
Entretanto, aqui temos algumas
dificuldades. Em ambas as passagens, a menção da rebelião de Lúcifer aparece
abruptamente num contexto que não trata, especificamente, de Satanás. Esse fato
levou muitos estudiosos da Bíblia a rejeitar a ideia de que as passagens se
referem a uma rebelião luciferiana e a insistir que elas focalizam
exclusivamente os governantes humanos das nações pagãs às quais são dirigidas.
Apesar disso, é preferível entender
que Isaías e Ezequiel propositalmente queriam levar os leitores para além dos
crimes de reis humanos, guiando-os até a percepção do grande arquétipo do mal e
da rebelião, o próprio Satanás. Essas passagens incluem descrições que, mesmo
levando em conta a inclinação ao exagero por parte de governantes da
Antiguidade, não poderiam ser atribuídas a qualquer ser humano. O emprego da
primeira pessoa do singular (por exemplo: “Eu subirei...”; “exaltarei o meu
trono...”; “me assentarei...”) em Isaías 14.13-14 refletiria um nível de
ostentação indicativo de insanidade, caso fosse proferido por um mero ser
humano, mesmo em se tratando de um dos monarcas pagãos babilônicos, que a si
mesmos divinizavam. E qual rei de Tiro poderia ser descrito como “cheio de
sabedoria e formosura... Perfeito... nos teus caminhos, desde o dia em que
foste criado...” (Ez 28.12,15)?
Além disso, a Bíblia ensina
explicitamente que a perversidade do mundo visível é influenciada e animada por
um domínio povoado por espíritos caídos, invisíveis (Dn 10.12-13; Ef 6.12), e que,
em sua campanha traiçoeira e condenável de frustrar os propósitos do Deus
verdadeiro, esses espíritos maus são dirigidos por Satanás, o “deus deste
século” (2 Co 4.4).
É característico dos escritores
bíblicos fazer a conexão entre o mundo visível e o invisível, e isso de forma
tão abrupta que pega o leitor momentaneamente desprevenido. Quando Pedro
expressou seu horror ante o pensamento da morte de Jesus, o Senhor lhe
respondeu “Arreda, Satanás!” (Mt 16.23; cf. 4.8-10). De forma semelhante, repentinamente
e sem aviso, o profeta Daniel pula de uma descrição profética sobre Antíoco
Epifânio (Dn 11.3-35) para uma descrição similar do Anticristo dos tempos do
fim (Dn 11.36-45). Antíoco precede o vilão maior que conturbará a terra nos
últimos dias. Um salto abrupto e não-anunciado do mundo político ganancioso,
auto-engrandecedor, visível, para o drama arquetípico que se desenrola num
mundo invisível aos seres humanos – mas que, apesar de não ser visto, deu
origem às atitudes denunciadas nessas passagens –, tal salto não está fora de
lugar nas Escrituras.
Finalmente, por trás das conexões
feitas nessas duas passagens pode muito bem estar um tema que frequentemente
retorna nas Escrituras. Nos tempos primitivos da Terra após a queda, os
rebeldes de Babel estavam determinados a construir “uma cidade e uma torre” (Gn
11.4). A cidade era um centro de atividade comercial, enquanto a torre
representava o ponto focal do culto pagão. Essa dupla caracterização do cosmo
como expressão de egoísmo (o espírito ganancioso do comercialismo
não-santificado) e de rebelião (a busca por ídolos) ressoa ao longo de toda a
Palavra de Deus, chegando a um clímax em Apocalipse 17-18, onde anjos que se
mantiveram fiéis a Deus anunciam a tão esperada e muito merecida destruição da
Babilônia religiosa e comercial.
É instrutivo notar que enquanto todo o
trecho de Ezequiel 26-28 repreende severamente a Tiro – o mais importante
centro de comércio e de riqueza nos dias desse profeta – Isaías 14 denuncia
Babilônia, que representa o centro da falsa religião ao longo de toda a
Escritura. Talvez essa caracterização do cosmo caído como “cidade e torre” –
tão importante naquilo que a Escritura afirma em relação ao mundo em rebelião
contra Deus – ajude a explicar o salto dado pelos profetas nas passagens que
consideramos. Quando contemplavam a cultura de seu tempo, que incorporava
perfeitamente um elemento do cosmo caído, cada um deles se sentiu compelido
pelo Espírito superintendente de Deus a focalizar a rebelião angélica dos
tempos primitivos, a qual animava a rebelião humana que estavam denunciando.
Dessa forma, essas duas críticas
severas, que identificam os espíritos perversos de cobiça inescrupulosa e
rebelião espiritual, ajudam a explicar por que tais espíritos predominam tantas
vezes ao longo da história humana. Os textos referidos, ao mesmo tempo, também
antecipam a destruição profeticamente narrada em Apocalipse 17 e 18.
A linhagem de Satanás
De Isaías 14 e Ezequiel 28 emerge um
quadro relativamente extenso de Satanás antes de sua rebelião.
Sua pessoa: Ele foi o ser mais
exaltado de toda a criação (Ez 28.13,15), a mais grandiosa das obras de Deus,
um ser celestial radiante, que refletia da maneira mais perfeita o esplendor de
seu Criador. Assim, ele apropriadamente era chamado de Lúcifer. Essa palavra
vem de uma raiz hebraica que significa “brilhar”, sendo usada unicamente como
título para referir-se à estrela de maior brilho e cujo resplendor mais resiste
ao nascimento do Sol. O nome Lúcifer tornou-se amplamente usado como título
para Satanás antes de sua rebelião porque é o equivalente latino dessa palavra.
Na realidade, é difícil saber com certeza se o termo foi empregado com o
sentido de nome próprio ou de expressão descritiva.
Seu lugar: Ezequiel afirmou que
esse anjo exaltado estava “no Éden, jardim de Deus” (Ez 28.13). Aqui, a
referência não é ao Éden terreno que Satanás invadiu para tentar a humanidade,
mas à sala do trono em que Deus habita em absoluta majestade e perfeita pureza
(veja Is 6; Ez 1). Ezequiel 28 também chama esse lugar de “monte santo de
Deus”, onde Lúcifer andava “no brilho das pedras” (v. 14). Essas descrições não
são apropriadas ao Éden terreno, mas adequadas à sala do trono de Deus,
conforme representações em outros lugares da Escritura.
Sua posição: Satanás é
denominado “querubim da guarda ungido” (Ez 28.14). Querubins representam a mais
alta graduação da autoridade angélica, sendo seu papel guardar simbolicamente o
trono de Deus (compare os querubins esculpidos flanqueando a arca da aliança –
o trono de Javé – no Tabernáculo ou Templo, Êx 25.18-22; Hb 9.5; cf. Gn 3.24;
Ez 10.1-22). Lúcifer foi ungido (consagrado) por sentença deliberada de Deus
(Ez 28.14: “te estabeleci”) para a tarefa indizivelmente santa de guardar o
trono do todo-glorioso Criador. Ele é descrito como sendo dotado de beleza
inigualável, vestido de luz radiante, equipado com sabedoria e capacidade
ilimitadas, mas também criado com o poder de tomar decisões morais reais.
Portanto, a obrigação moral mais básica de Satanás era a de permanecer leal a
Deus, de lembrar sempre que, independentemente de quão elevada fosse a sua
posição, seu estado era o de um ser criado.
A queda de Satanás
Neste ponto, encontramo-nos diante de um
dos mais profundos mistérios do universo moral, conforme revelado nas
Escrituras: “Como é que o pecado entrou no universo?” Está claro que a entrada
do pecado tem conexão com a rebelião de Satanás. Mas, como foi que o impulso
perverso surgiu no coração de alguém criado por um Deus perfeitamente santo?
Diante de tal enigma, temos de reconhecer que as coisas encobertas de fato
pertencem a Deus; as reveladas, no entanto, pertencem a nós (Dt 29.29). E três
dessas realidades claramente reveladas merecem ser enfatizadas:
Primeiro: a queda de Lúcifer foi
resultado de sua insondável e pervertida determinação de usurpar a glória que
pertence unicamente a Deus. Esse fato é explicitado em uma série de cinco
afirmações que empregam verbos na primeira pessoa do singular, conforme
registradas em Isaías 14.13-14. Nisto consiste a essência do pecado: o desejo e
a determinação de viver como se a criatura fosse mais importante que o Criador.
Segundo: Satanás é inteira e
exclusivamente responsável por sua escolha perversa. Nisso existe uma dimensão
inescrutável. Alguns têm argumentado que Deus deve ter Sua parcela de
responsabilidade por este (e todo outro) crime, porque, caso fosse de Seu
desejo, poderia ter criado um mundo em que tal rebelião fosse impossível.
Outros dizem que, se Deus tivesse criado um mundo em que apenas se pudesse
fazer o que o seu Criador quisesse, nele não poderiam ser incluídos agentes
morais feitos à imagem de Deus, dotados da capacidade de tomar decisões reais –
e, conseqüentemente, de escolher adorar e amar a Deus. Há verdade nessa
observação, mas também há mistério. O relato deixa claro que o orgulho fez com
que Lúcifer caísse numa terrível armadilha (Is 14.13-14; Ez 28.17; cf. 1 Tm
3.6), mas nada explica como tal orgulho de perdição pode surgir no coração de
uma criatura de Deus não caída e perfeita.
No entanto, não há mistério quanto ao
fato de que Satanás é, totalmente e com justiça, responsável pelo seu crime.
Ezequiel 28.15 afirma explicitamente que Lúcifer era perfeito desde o dia em
que foi criado, “até que se achou iniquidade em ti”. A culpabilidade moral é
dele, e apenas dele. Na verdade, em toda sua extensão, a Bíblia afirma que Deus
governa soberanamente o universo moral e controla todas as coisas – inclusive a
maldade de homens e anjos – para que correspondam aos seus perfeitos
propósitos. Mas ela também ensina que Deus não deve e não será responsabilizado
por essa maldade, em qualquer sentido.
Finalmente, por causa de sua
rebelião, Satanás tornou-se o arqui-inimigo de Deus e de tudo o que é divino.
Sua queda – bem como a dos espíritos que se uniram a ele – é irreversível; não
há esperança de redenção. Satanás foi privado da comunhão com o Deus santo de
forma final e irrecuperável. Para ser exato, Satanás ainda tem acesso à sala
judicial do trono do Universo por causa de seu papel de acusador dos irmãos,
papel este que lhe foi designado divinamente (Jó 1 e 2; Zc 3; Lc 22.31; Ap
12.10). Tal acesso, no entanto, é destituído da comunhão com Deus ou da Sua
aceitação. Devido à sua traição, que foi a mais terrível na história do cosmo,
Satanás e seus anjos somente podem esperar a condenação e a punição eternas (Mt
25.41).
Vivemos numa época de
ceticismo, imersos num mundo materialista...
Deus é transformado numa
inteligência universal amorfa com a qual podemos nos sintonizar através de
métodos de meditação e a comunhão com uma fraternidade de mestres responsáveis
pela evolução humana, no mesmo nível de Cristo.
Nova era
Fazer com que o homem simplesmente
negasse a existência de Deus seria impraticável,
pois crer em Deus e clamar por sua misericórdia sempre resulta positivo.
Ninguém estaria disposto a abrir mão daquilo lhe faz bem sem receber algo em
troca. A solução para negar a Deus
surge, indiretamente, pela negação de Satanás. Negar a existência do Mal,
recebendo um simulacro de liberdade onde tudo é permitido, conduz a uma efêmera
sensação de conforto e bem estar derivada da gratificação dos sentidos. Essa é
uma troca tão comum quanto sutil...
Como combater algo cuja existência nós
repudiamos e, portanto, passamos a não enxergar? Iludido pelo propósito de
conhecer a si mesmo, através de um individualismo que nada condena e ainda
ensina que a vontade pessoal é a única lei, o homem corre o risco de se
envolver em práticas que corrompem a moral e os bons costumes, comprometendo a
sua saúde física, mental e espiritual. E
por ignorar a natureza do Mal, torna-se, ele próprio, o mais perfeito canal para
a sua expressão.
É
necessário que a noite exista para que possamos enxergar as estrelas e
reconhecer a luz de cada amanhecer. Satanás virou motivo de piada e
deboche, identificado com superstições da crendice popular e aberrações das
crenças religiosas. Mas a consequência
de ignorar a existência do Mal é ignorar igualmente a existência do Bem,
perdendo-se de seus princípios num mundo cujo verdadeiro príncipe é o próprio
Diabo que apenas sorri e agradece.
O IMITADOR DE DEUS
“O
demônio transportou-o uma vez mais, a um monte muito alto, e lhe mostrou todos
os reinos do mundo e a sua glória, e disse-lhe:
-
Dar-te-ei tudo isto, se prostrando-te diante de mim, me adorares.
Respondeu-lhe
Jesus:
-
Para trás, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele
servirás.” Mateus 4, 8-10
Satanás é um usurpador!
É importante ter em mente a noção de
que, desde o princípio dos tempos, ele quis ocupar o lugar de Deus no coração
dos homens.
Uma vez que isto esteja bem claro,
ficará bem mais fácil reconhecer muitas das suas artimanhas, utilizadas para
confundir os homens. Boa parte delas se dá através de jogos de palavras e da
perversão ou limitação de seus reais significados.
Sem dúvida, uma delas é a distorção da
relação existente entre Vênus (a estrela da manhã, estrela d’alva ou estrela
matutina) e Satã.
Sabemos que Lúcifer é uma das
denominações utilizadas para identificar o Anjo Caído. Mas ela deriva de uma
metáfora que granjeia os predicados de glória e beleza atribuídos ao planeta
Vênus. Pelo que nos ensina a Bíblia, antes de se tornar ha-Satan (hebraico, “o
Acusador”) ou al-Shaitan (árabe, “O Adversário”), o Diabo era um anjo de esplendida majestade, daí ser honrado com uma
analogia à estrela da manhã. Jesus diz que ele “não se firmou na verdade”
(João 8, 44), o que conduz à dedução de que ele já esteve nela algum dia e, até
se rebelar, desfrutou de prestígio junto ao Criador.
Ainda, biblicamente falando, o termo
“Estrela d’Alva” parece não estar mesmo destinado a ser uma referência
exclusiva, servindo como analogia para representar mais do que um único ser:
“Quando as estrelas da alva
juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam?” Jó 38,7
AS
FIGURAS DE LINGUAGEM: EZEQUIEL 28 e ISAIAS 14
Nem tudo na Bíblia deveria ser tomado
em seu sentido literal. O uso de metáforas, parábolas e alegorias enriquecem a
linguagem dentro de um modelo de informações multicamadas que pode abordar mais
de um assunto simultaneamente.
Primeiro, é interessante definir cada
um desses recursos linguísticos e vamos fazê-lo de acordo com aquilo que consta
no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa:
Metáfora. [Do gr. metaphorá,
pelo lat. metáphora] S. f. Ret. Emprego em que a significação natural de uma
palavra é substituída por outra, em virtude de relação de semelhança
subentendida: a primavera da vida; a luz da inteligência.b
Alegoria. [Do gr. allegoría,
pelo latim allegoria.] S. f. 1. Exposição de um pensamento sob forma figurada.
2. Ficção que representa uma coisa para dar idéia de outra. 3. Seqüência de
metáforas que significam uma coisa nas palavras e outra no sentido. 4. Obra de
pintura ou de escultura que representa uma idéia abstrata por meio de formas
que a tornam reconhecível. 5. Simbolismo concreto que abrange o conjunto de
toda uma narrativa ou quadro, de maneira que a cada elemento do símbolo
corresponda um elemento significado ou simbolizado.
Parábola. Narração alegórica
na qual o conjunto dos elementos evoca, por comparação, outras realidades de
sentido superior.
Sobre a parábola, podemos assumir por
“sentido superior” algum preceito moral ou religioso que se queira comunicar.
Vamos agora examinar a polêmica
existente quanto à interpretação de Ezequiel 28, cujo sentido querem atribuir
exclusivamente a uma profecia contra o rei de Tiro ou estender a Adão,
isentando Satanás:
1. E veio a mim a palavra do Senhor
dizendo:
2. Filho do homem, dize ao príncipe de
Tiro: Assim diz o Senhor DEUS: Porquanto o teu coração se elevou e disseste: Eu
sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento no meio dos mares; e não passas de
homem, e não és Deus, ainda que estimas o teu coração como se fora o coração de
Deus;
3. Eis que tu és mais sábio que Daniel;
e não há segredo algum que se possa esconder de ti.
4. Pela tua sabedoria e pelo teu
entendimento alcançaste para ti riquezas, e adquiriste ouro e prata nos teus
tesouros.
5. Pela extensão da tua sabedoria no
teu comércio aumentaste as tuas riquezas; e eleva-se o teu coração por causa
das tuas riquezas;
6. Portanto, assim diz o Senhor DEUS:
Porquanto estimas o teu coração, como se fora o coração de Deus,
7. Por isso eis que eu trarei sobre ti
estrangeiros, os mais terríveis dentre as nações, os quais desembainharão as
suas espadas contra a formosura da tua sabedoria, e mancharão o teu resplendor.
8. Eles te farão descer à cova e
morrerás da morte dos traspassados no meio dos mares.
9. Acaso dirás ainda diante daquele que
te matar: Eu sou Deus? Mas tu és homem, e não Deus, na mão do que te traspassa.
10. Da morte dos incircuncisos
morrerás, por mão de estrangeiros, porque eu o falei, diz o Senhor DEUS.
Nessa primeira parte fica claro que se
trata de um vaticínio contra um homem. Deus o coloca em seu devido lugar como
ser mortal que apesar de toda sua inteligência e sabedoria não se pode
equiparar a Ele. Diferentemente do anterior, o trecho seguinte é intitulado
como uma lamentação (também traduzido em outras versões como um “cântico
fúnebre”). Neste ponto, ingressamos numa alegoria porque fica claro que Deus compara
o destino do príncipe de Tiro com um destino semelhante dado a outro ser
igualmente orgulhoso que a Ele pretendeu se igualar:
11. Veio a mim a palavra do SENHOR,
dizendo:
12. Filho do homem, levanta uma
lamentação sobre o rei de Tiro, e dize-lhe: Assim diz o Senhor DEUS: Tu eras o
selo da medida, cheio de sabedoria e perfeito em formosura.
13. Estiveste no Éden, jardim de Deus;
de toda a pedra preciosa era a tua cobertura: sardônica, topázio, diamante,
turquesa, ônix, jaspe, safira, carbúnculo, esmeralda e ouro; em ti se faziam os
teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados.
14. Tu eras o querubim, ungido para
cobrir, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas
andavas.
15. Perfeito eras nos teus caminhos,
desde o dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti.
16. Na multiplicação do teu comércio
encheram o teu interior de violência, e pecaste; por isso te lancei, profanado,
do monte de Deus, e te fiz perecer, ó querubim cobridor*, do meio das pedras
afogueadas.
17. Elevou-se o teu coração por causa
da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por
terra te lancei, diante dos reis te pus, para que olhem para ti.
18. Pela multidão das tuas iniqüidades,
pela injustiça do teu comércio profanaste os teus santuários; eu, pois, fiz
sair do meio de ti um fogo, que te consumiu e te tornei em cinza sobre a terra,
aos olhos de todos os que te vêem.
19. Todos os que te conhecem entre os
povos estão espantados de ti; em grande espanto te tornaste, e nunca mais
subsistirá.
*Cobridor é também traduzido por
“protetor” em outras versões.
Querer atribuir essa passagem a Adão é
forçar todo e qualquer entendimento razoável, seja em função de debilidades
interpretativas ou até de interesses inconfessáveis com má fé deliberada.
Desde quando Adão era um querubim?
Adão se cobria de ornamentos e de pedras preciosas ou andava nu, até ficar
ciente de sua condição? E Adão era protetor do quê? Proteger não é uma função
angélica?
Desde quando Adão resplandecia por
causa de sua sabedoria, se era inocente até consumir o fruto proibido? Adão
tinha violência no coração? Ele foi punido por cometer iniqüidades ou por uma
desobediência induzida pelo próprio anjo tentador de que fala o texto?
Que tipo de comércio era praticado por
Adão? A palavra comércio também se refere a trato social, convivência, além de
relações sexuais ilícitas... Não é dito que os “Filhos de Deus” desposaram as
filhas dos homens? (Gênesis 6, 1-2)
Diz o versículo 17: ”corrompeste a
tua sabedoria por causa do teu resplendor”. Que resplendor é esse senão o
conhecimento? Atributo que difere da sabedoria e pode levar a arrogância.
Aqueles que dizem deter o conhecimento dos mistérios não se intitulam
iluminados?
Existe uma ligação metafórica
relacionando luz com conhecimento. Assim é que a luz que se diz trazida por
Lúcifer à humanidade é a luz do conhecimento. Vimos atrás que o Glossário
Teosófico declara que Lúcifer seria portador da luz da “Verdade”. Outra
metáfora.
Ser o “selo da medida” é uma qualidade
que pode ser relacionada ao planeta Vênus; pois medida se refere a equilíbrio,
equidade, simetria e já foi dito que, astronomicamente, Vênus é o planeta que
possui a órbita mais perfeita ou circular. Não é por acaso que, na Astrologia,
Vênus rege o signo de Libra ou Balança. Signo ligado à beleza, a estética, as
artes, à justiça e à precisão matemática. Isto tudo está de acordo com a
descrição de ser “perfeito em formosura”.
Aquele que vivia em resplendor foi
lançado por terra e isto é o que aconteceu com Lúcifer-Satanás.
Uma única palavra pode fazer grande
diferença na interpretação de um texto. Vejamos João 8,44:
“Vós tendes por pai ao
diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o
princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele
profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da
mentira.” João 8.44
É preciso notar que o texto diz que o
Diabo “não se firmou na verdade” ao invés de “nunca se firmou na verdade” como
já vi alguns comentarem de modo a distorcer completamente o sentido da frase.
Como o texto de Isaias 14 também faz
menção a Satanás e tem sido colocado em dúvida quanto aos reais protagonistas
da narrativa, é importante analisá-lo sob igual prisma, eventualmente,
acareando as distintas versões da Bíblia Online, Bíblia Católica e Vulgata.
Vejamos:
4.“Então proferirás este provérbio1
contra2 o rei de babilônia, e dirás: Como3 já cessou o opressor, como já cessou
a cidade dourada!”
4.“Cantarás esta sátira1 contra2 o rei
de Babilônia, e dirás: Como3? Não existe mais o tirano! Acabou-se a tormenta!”
4.“Sumes parabolam1 istam contra2
regem Babylonis et dices quomodo3 cessavit exactor quievit tributum”
NOTA:
1. Aquilo que a Bíblia Online traduz
por provérbio, que é uma máxima popular ou um ditado; a Bíblia Católica (versão
da Editora Ave Maria) traduz por sátira, no sentido de ridicularização ou
escárnio; enquanto a Vulgata remete à idéia de uma parábola, reforçando o
sentido alegórico. Portanto, não se deve tomar os próximos versículos em seu
sentido literal.
2. Outra observação importante é que
não são os reis da Babilônia quem falam, conforme já ouvi mencionarem, mas é
contra o rei babilônico que é falado de forma a ridicularizá-lo, escarnecendo
de sua arrogância. Esse primeiro versículo é apresentado em um formato
diferente nas três versões, mas cada qual zomba, ao seu modo, da queda do rei
da babilônia. A palavra dos “reis da Babilônia” só se faz notar a partir do
versículo de número dez.
3. O advérbio “como” serve tanto para
questionar a causa quanto para afirmar a maneira como o rei caiu, o que é
revelado através da continuidade da leitura.
Prossigamos:
5. “Já quebrantou o SENHOR o bastão dos
ímpios e o cetro dos dominadores.”
6. “Aquele que feria aos povos com
furor, com golpes incessantes, e que com ira dominava sobre as nações agora é
perseguido, sem que alguém o possa impedir.”
7. “Já descansa, já está sossegada toda
a terra; rompem cantando.”
8. “Até as faias se alegram sobre ti, e
os cedros do Líbano, dizendo: Desde que tu caíste ninguém sobe contra nós para
nos cortar.”
9. “O inferno desde o profundo se
turbou por ti, para te sair ao encontro na tua vinda; despertou por ti os
mortos, e todos os chefes da terra, e fez levantar dos seus tronos a todos os
reis das nações”
10. “Estes todos responderão, e te
dirão: Tu também adoeceste como nós, e foste semelhante a nós.”
11. “Já foi derrubada na sepultura a
tua soberba com o som das tuas violas; os vermes debaixo de ti se estenderão, e
os bichos te cobrirão.”
NOTA:
Deus pode partir os símbolos de
majestade que representam os poderosos (bastão e cetro) quando bem entender,
perseguindo os opressores violentos e gananciosos para pacificar a terra. Eis o
motivo da queda do rei da Babilônia.
O escárnio continua através da
zombaria dos que outrora foram vítimas, metaforicamente representados por faias
e cedros que não temem mais serem “cortados”.
Do versículo oito até o número nove,
esse sarcasmo fica ainda mais evidente. O rei da babilônia cai do trono de sua
altivez e causa espanto até no inferno, despertando os próprios mortos para
recebê-lo, assim como chefes e monarcas que se constrangem por que o rei se
revelou tão mortal quantos eles próprios.
No décimo e décimo primeiro versículo,
outros soberanos do império manifestam o seu espanto e declaram que a primeira
coisa derrubada na sepultura do rei da Babilônia foi a sua própria soberba, o
falso orgulho ou arrogância... Mesmo assim, não se deve considerar o conteúdo
como sendo, literalmente, a palavra dos outros reis, mas uma conjectura
zombeteira do que eles diriam por assombro da tragédia que se abateu sobre o
rei da Babilônia.
Veremos agora aquela que me parece a
passagem mais interessante e reveladora:
12.“Como caíste desde o céu, ó estrela
da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as
nações!”
12.“Então! Caíste dos céus, astro
brilhante, filho da aurora! Então! Foste abatido por terra, tu que prostravas
as nações!”
12.“Quomodo cecidisti de caelo lucifer
qui mane oriebaris corruisti in terram qui vulnerabas gentes”
NOTA:
Neste versículo temos mais uma
alegoria servindo para estabelecer um paralelo entre duas situações diferentes.
Desta vez, entre o Anjo Caído e o rei da Babilônia.
O advérbio “como” tem sentido
comparativo. Percebam que não se trata de uma pergunta, mas sim de uma
afirmação. “Como”, no uso empregado pelo versículo, sugere “do mesmo modo ou
jeito” ou “semelhantemente a algo”. Ou seja, do mesmo modo que Lúcifer foi
derrubado do céu, assim caiu o rei que debilitava as nações.
A versão católica é um tanto menos
precisa, mas o advérbio “então” também possui uma conotação indicativa de
tempo, significando “em tal caso” ou “nesse caso” e implicando em condições ou
circunstâncias. Pode ainda ter a conotação conclusiva de denotar uma causa no
sentido de “pois” ou “a vista disso”, principalmente por ser citado de forma
afirmativa. Assim, podemos dizer que em tal caso (orgulho soberba, arrogância),
Lúcifer foi derrubado do céu e a vista disso (dos mesmos fatores) também foi
abatido o rei que prostrava as nações.
Quomodo é a derivação latina para o
advérbio “como”. Ela é usada tanto para perguntar (de “que modo” ou de “que
maneira”) quanto para correlacionar, ratificando a idéia de comparação entre
aquilo que aconteceu com o Anjo Caído e o que sucedeu ao rei da Babilônia.
Em seguida:
13. “E tu dizias no teu coração: Eu
subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da
congregação me assentarei, aos lados do norte.”
14. “Subirei sobre as alturas das
nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.”
NOTA:
Prossegue a comparação entre o rei e
Lúcifer, o qual desejou estabelecer o seu trono acima de Deus, tornando-se
semelhante ao Altíssimo.
Finalizando:
15. “E, contudo, levado serás ao
inferno, ao mais profundo do abismo.”
16. “Os que te virem te contemplarão,
considerar-te-ão, e dirão: É este o homem que fazia estremecer a terra e que
fazia tremer os reinos?”
17. “Que punha o mundo como o deserto,
e assolava as suas cidades? Que não abria a casa de seus cativos?”
18. “Todos os reis das nações, todos
eles, jazem com honra, cada um na sua morada.”
19. “Porém tu és lançado da tua
sepultura, como um renovo abominável, como as vestes dos que foram mortos
atravessados à espada, como os que descem ao covil de pedras, como um cadáver
pisado.”
20. “Com eles não te reunirás na
sepultura; porque destruíste a tua terra e mataste o teu povo; a descendência
dos malignos não será jamais nomeada.”
21. “Preparai a matança para os seus
filhos por causa da maldade de seus pais, para que não se levantem, e nem
possuam a terra, e encham a face do mundo de cidades.”
22. “Porque me levantarei contra eles,
diz o SENHOR dos Exércitos, e extirparei de babilônia o nome, e os
sobreviventes, o filho e o neto, diz o SENHOR.”
23. “E farei dela uma possessão de
ouriços e a lagoas de águas; e varrê-la-ei com vassoura de perdição, diz o
SENHOR dos Exércitos.”
NOTA:
A ode de humilhação conjura a
condenação final do rei da Babilônia, falando do espanto daqueles que
testemunharam o seu poder e então assistem a sua queda. O rei é desonrado ante
os nobres de outras nações que souberam agir com dignidade e com os quais não
se reunirá em sepultura, nem prolongará o seu nome através da descendência,
pois sua posteridade será exterminada.
Conclui-se, portanto, que não há um
único versículo que possa ser atribuído a Adão ou que tenha sido usado para
denegrir o nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.
A Vulgata é uma tradução da Bíblia
feita por São Jerônimo para o latim a pedido do Papa Damaso I, no ano 382. A
palavra Lúcifer tem origem romana, sem derivação no hebraico. Nela, o termo
Lúcifer é repetido três vezes para significar a “Estrela da manhã” com
conotações distintas:
“et quasi meridianus fulgor
consurget tibi ad vesperam et cum te consumptum putaveris orieris ut lúcifer”
“E a tua vida mais clara se
levantará do que o meio dia; ainda que haja trevas, será como a manhã.” Jó
11,17
“quomodo cecidisti de caelo
lucifer qui mane oriebaris corruisti in terram qui vulnerabas gentes”
“Como caíste desde o céu, ó
estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que
debilitavas as nações!” Isaías 14,12
“et habemus firmiorem
propheticum sermonem cui bene facitis adtendentes quasi lucernae lucenti in caliginoso
loco donec dies inlucescat et lucifer oriatur in cordibus vestris”
“E temos, mui firme, a
palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que
alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em
vossos corações.” II Pedro 1,19
Mas uma vez entendido que Lúcifer tem
um significado muito mais amplo do que apenas uma referência aos tempos
gloriosos de Satanás, antes de sua queda, quando ele ainda era um exemplo de
formosura, essas citações tornam-se plenamente compreensíveis e livres de
falsas contradições.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É um fato público e notório que os
satanistas desprezam Jesus e louvam a rebeldia do Anjo Caído. A luz de Lúcifer
é irradiada pelo conhecimento ocultista das escolas de mistérios que pretende
conduzir a um estado de iluminação ou hiperconsciência. Já a luz de Jesus é a
revelação do caminho que redime nossa alma de todos os pecados e conduz à
presença do Pai Celestial. Os seguidores de Lúcifer desejam ser como deuses
para realizar os seus próprios desejos. Os seguidores de Jesus querem seguir o
seu exemplo de amor e desapego para realizar a vontade de Deus Pai Criador.
Portanto, se nomes podem ser usados para causar confusão, basta conhecer os
“frutos da árvore” para desfazer qualquer engano:
“Entrai pela porta estreita; porque
larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os
que entram por ela. E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva
à vida, e poucos há que a encontrem. Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas,
que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos
devoradores. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos
bons. Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto,
pelos seus frutos os conhecereis.”
O famigerado pentagrama invertido, com
a ponta voltada para baixo sugere queda ou precipitação. Ele remete à idéia de
uma estrela cadente e nos querem fazer crer que Lúcifer desceu ao mundo dos
homens para trazer “conhecimento” e nos libertar das trevas da ignorância.
Porém, alguém irá acreditar que foi o próprio planeta Vênus que caiu? Claro que
não! Quem caiu foi um Anjo cuja beleza resplandecente ainda está associada ao
segundo planeta do sistema solar. Assim, é importante aprender a distinguir os
significantes (neste caso, Vênus) dos significados (no caso, Lúcifer), pois um
mesmo símbolo pode ter suficiente neutralidade e versatilidade para que lhe
sejam atribuídos variados tipos de associações.
Voltando ao Apocalipse 22,16: “Estrela
Matutina” não é um nome próprio e nem um título concreto, mas uma metáfora!
Também convém entender que uma metáfora indica semelhança e não a própria
identidade daquele a quem se aplica, pois, principalmente por falarmos de
Jesus, não devemos incorrer no erro de confundir o Criador com a criatura.
Jesus não é a “Estrela d’Alva” ou o
planeta Vênus em si, fisicamente falando. O versículo também não dá margens à
Astrolatria que é o antigo culto aos corpos celestes. Diferentemente, Jesus
está sugerindo uma associação alegórica que correlaciona o seu papel para a
humanidade com a natureza astronômica do planeta Vênus.
Assim, Satanás pode ter sido
comparável à “Estrela D’Alva”, algum dia. Disso resulta sua alcunha ou título
simbólico de Lúcifer, mas que, após a sua queda, refere-se ao seu passado
angelical e não ao seu presente diabólico. A verdadeira “Estrela Radiante da
Manhã” é Jesus, porém, jamais deveríamos chamá-lo de Lúcifer, pois, em nossos
tempos, isto faz parte do engano que vem sendo popularizado para confundir o
Nosso Salvador com o nosso Adversário!
Que o Divino Espírito Santo ilumine o
nosso entendimento, nos conduza pelos caminhos da verdade e nos mostre as
armadilhas do caluniador.
Por: Christianne Ravagnani
Por: Christianne Ravagnani
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